
Versões do crime
A história continuará em aberto e as
versões sobre a AP 470 – crime de “caixa 2” para uns e “mensalão” para
outros – serão criadas e recriadas por décadas afora. Muitos narrarão
que o STF, a casa das vaidades e dos gestos teatrais, exagerou, mas
cumpriu com seu papel de julgar e de dar direito a ampla defesa aos
réus, inclusive acatando os tais embargos infringentes em favor de uma
parte dos acusados.
Outros dirão que o STF foi frouxo e
covarde, pois se a tal “teoria do domínio do fato” vale para José Dirceu
– um político com muito inimigos – por que não valeria também para o
presidente Lula da Silva, o responsável maior pelo governo acusado de
pagar mesadas mensais em troca de apoio no parlamento? – Como Zé Dirceu
tinha obrigação de saber de tal fato e o presidente Lula não tinha?
Mexer com Lula era “mais embaixo”.
Também avultará a opinião daqueles que
acham que o STF foi seletivo ao julgar e punir apenas os petistas,
inclusive sem provas cabais nos autos contra alguns deles, quando todos
os políticos, sem exceção, cometem o crime de caixa 2 impunemente e que
para julgar e prender todos, não haveria vagas nos presídios. Como todo
político que se candidata faz caixa 2, como dar notoriedade a acusações
de prática de caixa 2? – Tinha quer ser outro o crime do PT!
Os lugares e os protagonistas
É fato que a população brasileira,
encharcada de notícias ruins sobre a política, aceitou toda a campanha
pela condenação dos “mensaleiros”. Afinal, era a oportunidade de, pela
primeira vez, ver gente graúda na cadeia. – Vozes do povo simples já
perguntam “Por que punem e prendem só os do PT?”
A maioria dos supremos juízes, capitaneada
por Joaquim Barbosa, também tirou proveito da oportunidade de alcançar
popularidade fácil: os discursos rebuscados e cheios de citações diante
das câmeras; a arrogância da voz amplificada e dos gestos viris quando
contrariados; o prestígio e os aplausos nos salões atapetados.
Fora da curva: Quando a poeira baixar e a
luz apagar, o mundo jurídico julgará o ministro Lewandowski, o juiz
revisor, que nadou contra a corrente e enfrentou o linchamento
midiático, posicionando-se noutra direção.
Para a oposição partidária e para a
oposição midiática, a AP 470 representa outras possibilidades. Vingança
contra o PT, que desbancou a velha classe média e a elite que se
arvorava de dona da opinião pública (?). Desgaste político para o
“lulismo” e para a presidenta Dilma, visto que pelo embate programático a
oposição não tinha mesmo como se legitimar enquanto alternativa para o
cidadão brasileiro (?).
O lugar do PT
Ninguém acredita em anjos no PT. Aliás,
quem conhece as disputas internas no partido sabe como os petistas são
medonhos e endiabrados. – Bonzinhos nunca têm nada de bom a oferecer
pela transformação da sociedade. Mas o PT absorveu práticas políticas
que tanto condenava nos adversários.
Os setores mais pragmáticos do PT, que tem
o maior mérito em viabilizar a primeira eleição do presidente Lula da
Silva, abrindo o partido para as alianças políticas necessárias, tem o
demérito de não fazer isto a partir de uma base programática. Daí para
assimilar as negociatas impostas pelos políticos fisiológicos falta
apenas um passo.
O PT abriu mão durante uma década de lutar
pela Reforma Política, a mais importante de todas as mudanças
entravadas no país. O PT preferiu entrar no jogo pesado da política do
que encarar o caminho mais difícil de convencer o povo brasileiro a
mudar a própria politica brasileira.
O lugar dos prisioneiros
Nem anjos, nem demônios. Nem bandidos nem
heróis. A condenação e a prisão de Zé Dirceu e de Zé Genoíno, dois dos
mais importantes militantes da esquerda brasileira nas últimas cinco
décadas, não vai mudar a política brasileira.
Para além da justiça e da injustiça no
STF, para além das controvérsias, ambos cumprem o papel de bode
expiratório: estão na cadeia, mas o sistema político brasileiro,
secularmente corrompido continua intocado e assim permanecerá se não for
feita uma verdadeira Reforma Política no Brasil com a participação do
povo.
Zé Dirceu e Zé Genoíno cumprem ainda o
papel de bois de piranha. Enquanto eles estão na cadeia a manada passa
alegre e solta, financiada pelo capital privado, comprando e vendendo
apoios, negociando votos, mandatos e verbas públicas.
Cariri Ligado
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